Dança de Salão – Etiqueta

Em meados do século passado , quando o Brasil era governado pelo Imperador D. Pedro II e o Rio de Janeiro, então capital do país, era freqüentemente visitado por professores estrangeiros, especialmente os franceses, que ensinavam as danças da moda aos aristocratas da corte, a questão da etiqueta na dança já era considerada de fundamental importância. Em 1854 foi publicado o livro “Arte da Dança de Sociedade”, já então em sua segunda edição, revista e aumentada, dedicado a professores e curiosos, conforme consta logo abaixo do título da obra. Seu primeiro capítulo, intitulado Regras da Dança, além de tratar das posições básicas para dançar, preocupava-se também com as regras de etiqueta dos cavalheiros e damas.

Uma reedição ampliada deste livro, publicada na virada do século, acrescentou um capítulo com o nome Regras de Civilidade Concernentes à Dança. Mesmo levando em conta as diferenças existentes entre os costumes daquela época e os atuais, pode-se observar que as preocupações e recomendações feitas então eram as mesmíssimas de agora, destacando-se aspectos como: a necessidade de se manter a ronda no salão e de os pares evitarem choques entre si; a atenção especial dedicada à elegância da postura e à leveza ao dançar; a observação de que o salão de baile não é um lugar apropriado para a exibição de passos e figuras com saltos e súbitas elevações de pernas, que seriam mais adequados a um espetáculo; conselhos a respeito do asseio, de palavras e gestos educados e até mesmo sobre os sorrisos que o par deve trocar entre si durante o ato de dançar, tendo em vista tratar-se de uma atividade prazeirosa e eminentemente social. O capítulo acrescentava, ainda, lembretes específicos para os mestres de dança, no sentido de que eles deveriam se preocupar não só em ensinar passos, figuras e marcações das diversas danças aos seus alunos, mas também em levá-los a desenvolver sua sensibilidade para os variados ritmos e melodias, bem como para o comportamento social adequado aos salões de dança. Como curiosidade adicional para nós, que vivemos um século depois, era ensinado, também, detalhadamente, como os cavalheiros deviam fazer suas mesuras diante das damas que desejassem convidar para dançar e – cá entre nós – tais mesuras, pelas descrições, eram tão complicadas como alguns dos movimentos das danças que andavam na moda por aquele tempo, entre elas a quadrilha, a contradança, a valsa, a polca, o xote e a mazurca.

A pesquisadora de história das danças de salão no Brasil, recentemente falecida, Maria Amália Corrêa Giffoni, num trabalho publicado em 1971, comenta sobre as regras de comportamento que dominavam os bailes das primeiras décadas deste século, baseada em várias entrevistas feitas com pessoas que os freqüentavam regularmente. Muitos dos pontos mencionados acima foram relatados pelos entrevistados, além de outros aspectos interessantes e curiosos:

1) o cavalheiro, ao convidar a dama para dançar, tirava um lenço do bolso e o usava durante a dança, entre sua mão esquerda e a direita da parceira ou quando a sua mão direita tocava as costas da dama;

2) no início do século, homens e mulheres costumavam posicionar-se em lados opostos do salão até que a música fosse começar e eles se aproximassem delas para tirá-las;

3) não se fumava nos salões de baile;

4) o carnet (nome usado em São Paulo para uma espécie de quadro de avisos, geralmente luminoso) indicava se eram os cavalheiros ou as damas que deveriam tirar seus parceiros para a próxima dança e não se podia recusar;

5) moças muito jovens não dançavam a valsa, que só era dançada por mulheres casadas e moças de mais idade, por ser uma dança considerada ousada, propiciando maior proximidade entre os parceiros. Entretanto, evitar batidas entre os casais, manter a ronda, caprichar na postura e abster-se de realizar passos perigosos para os pares vizinhos foram ítens repetidos pela maioria dos entrevistados e que continuam atuais.

Como vemos, certo tipo de comportamento não depende da época, mas do bom senso.

Jussara Vieira Gomes
Historiadora e Antropóloga
Dançarina e Pesquisadora de Dança de Salão

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